Quem é ou já foi fumante sabe o apocalipse que é ficar sem
fumar. O corpo e a mente reagem: raiva, angústia, inquietação, desespero,
depressão e MUITA fissura. Mesmo quando a pessoa consegue parar de fumar, o
vício fica ali na sombra espreitando, aguardando aquele dia em que algum problema
surge ou algumas cervejas a mais afrouxam as defesas para seduzir o ex-fumante
com a idéia de uma recaída.
Por trás de tudo isso existe um bocado de neurônios com o
funcionamento alterado por tanta exposição à nicotina. Essa substância age em
diversos sistemas de neurotransmissão diferentes (como dopamina, glutamato e
acetilcolina) e obviamente esses sistemas se adaptam à ativação excessiva deles
ocasionada pela nicotina. O que acontece é que essas vias neurais já não
funcionam mais como as de um não-fumante e quando a pessoa larga o cigarro, a
falta de nicotina faz com que sistemas acostumados a agir na presença dela
fiquem prejudicados e necessitem de um tempo para se readaptarem.
O problema é que na prática, essa readaptação é praticamente
uma visita ao inferno e nesse meio
tempo uma recaída acaba fazendo com que tudo seja perdido e a pessoa tenha que
recomeçar a tortura. Mas e se uma vacina garantisse que essas recaídas não irão
mais acontecer quer a pessoa queira quer não?
Pois essa é a
promessa do Dr Crystral, criador de uma vacina que permite que os próprios
anticorpos do indivíduo desenvolvam imunidade contra a nicotina. Essa idéia já
foi testada mas como foi feita com anticorpos que já vinham presentes na vacina,
necessitava de muitas doses frequentes e de valor pouco acessível. Dessa vez o
plano é uma única dose imunizando o indivíduo contra a nicotina para o resto da
vida.
Os pesquisadores pegaram uma sequência genética de um
anticorpo contra a nicotina criado por meio de engenharia genética e colocaram em
um vírus que serve como vetor. Esse vírus é criado para ser inofensivo,
servindo apenas como agente de entrega da informação genética. Além disso, foi
adicionada informação ao vírus para direcionar a vacina até os hepatócitos
(fígado) e essas células começaram então a produzir um fluxo constante de
anticorpos contra a nicotina.
Os exames de sangue comprovaram a existência dos anticorpos
na circulação dos camundongos utilizados no estudo. Ao tratar esses
animais
com nicotina, foi observado que pouquíssima quantidade da droga estava
atingindo o
cérebro e o sistema cardiovascular, demonstrando que os anticorpos
realmente agiram sobre a nicotina. O próximo passo agora é testar em
ratos e
posteriormente em primatas.
Mas se isso funcionar quais as implicações? O fumante vai
saber que não adianta ter recaída pois não vai sentir os efeitos da
nicotina e
vai parar de fumar na marra. O lado bom é que essa tecnologia ofereceria
uma
escolha para pessoas realmente interessadas em se livrar de um vício que
todo mundo já está cansado de saber o que causa e o quanto mata.
Entretanto
questões éticas podem começar a surgir pois obviamente muitos pais vão
querer
vacinar os filhos para prevenir que estes algum dia resolvam ser
fumantes. Certamente
surgiriam questões sobre escolha e livre arbítrio mas que é cedo demais
para se
levar em conta uma vez que tal vacina ainda é uma possibilidade e não
uma certeza.
Fonte:
stm.sciencemag.org